30 de junho de 2008

A Porta e a Chave (8 de maio de 2007)

Havia uma porta e ele tinha a chave. Entrou e saiu como eles fazem. Mas voltou parecendo outro. Voltou como um príncipe. A porta me pertencia, mas dei-lhe a chave. Precisei mudar e não pude levá-lo. Levei minha porta e tentei deixar-lhe a chave, mas ele preferiu devolver-ma. Eu lhe pedi que viesse e que entrasse sem bater. A porta estaria aberta. Mas ele não veio. Sequer mandou notícias. Ele sabia que minha porta fora atacada por cupins, estava aos pedaços. Nem assim ofereceu-se para consertá-la. Tive eu mesma que controlar a situação. A porta, sem chave e ainda com buracos de cupins, parece estável. Às vezes ela sacode ao vê-lo passar, como que dizendo "vem para o lado de dentro mais uma vez!". Ele passa reto. Ela se aperta com força, como se quisesse nunca mais abrir. Mas portas são feitas para abrir e fechar. Eu tento dizer isso a ela e algumas vezes parece que ela me ouve, pois se abre, se escancara. Outros se aproximam do lugar que era dele, mas eles não têm a chave... A porta continua aberta, ninguém permanece. E aberta por tanto tempo, ela se sente inútil. Não era sua função abrir e fechar? Quando fechará de novo? Vendo-se assim, sente-se mal. Sente-se jogada. Ninguém me ama. Ninguém me quer. Ela me diz que é uma porta, mas mais parece um portal. E quase ninguém passa por lá. Toda essa reclamação me cansa. Faço planos de trocá-la. Quero uma daquelas portas de shopping, com sensor. Ela fica na sua, fechada, mas se alguém se aproxima, ela se abre! Sem medo! E fecha novamente; sem trancar! Chaves não são necessárias. Quem quiser, que entre. Se for boa companhia, faço gosto se ficar. Mas se não quiser, pode sair, voltar para visitas amigáveis e esporádicas. Como ele podia ter feito. Mas o que fazer com minha velha e boa porta que tanto já viu e viveu? É verdade que outros, antes dele, já tiveram a chave, mas ele, com minha permissão, gravou nela seu nome. Ela será dele para sempre. Mas estou decidida a adquirir uma dessas portas inteligentes. Confesso que vou guardar muito bem a porta antiga e sua chave. Se ele quiser voltar, faço a reforma e a instalo de novo. Ou então troco a fechadura, faço outra chave e a dou a outro... Vai dar mais trabalho, mas pode valer a pena. Logo a nova porta estará aqui. Com sensores sensíveis, à espera de alguém que se aproxime. Ainda me parece um tanto vago, mas dói menos que ver minha velha porta à espera do dono da chave onde leio Coração.

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